30.3.11

When someone that we love dies * A partida de alguém querido * La partida de un ser querido * Le départ d'un être cher


Há uma vizinha aqui na rua dos meus pais, com noventa e muitos anos, que me criou até aos 3 anos e onde na minha infância brincava no quintal dela com os seus netos.

A minha mãe cuidava dela, já mal via e ouvia.

Estava completamente lúcida e quando podia, passava algum tempo com ela.
Quando nos víamos e despedíamos dava-me um abraço tão forte como ninguém me abraça assim. Apertava-me nos braços dela com uma força quase sobrenatural, para quem tinha quase 100 anos.

Teve vários filhos e uma vida sofrida, teve de sobreviver e passar pela morte de alguns filhos, e do marido.




Tinha sempre sempre palavras de alento para mim, de coragem e de força, e dizia:
"Vais ter sorte, tu mereces."
“Não és minha filha, mas é como se fosses.”
Contava-me:
“Quando eras pequenina, eras custosa para comer, mas eu trazia-te aqui para fora para o quintal, para estares ao ar livre e distraida e assim é que tu comias”
Quando uma relação não dava certo, dizia:
“Deixa lá, é porque não era a tua hora”
Apertava-me a mão, ou os braços com força, com as mãos quentes, e passava-me algo...místico. Uma força que vinha do seu interior que não sei explicar.
Jà tinha passado por tanto e já tudo suportava, as dores nas pernas, quase não ver e ouvir muito mal.
Dava conselhos á minha mãe, de calma, paciencia e perserverança, quando a minha mãe andava revoltada com algo na vida.
Era para mim, tal como a minha madrinha que faleceu no final de 2007, altura do meu “despertar espiritual”, se é que assim se pode chamar, era como uma segunda mãe, e um exemplo incontestável de Amor Incondicional, como vi em muito poucas pessoas.
Ontem, tinha pensado que ainda não a tinha ido ver, e hoje passei o dia também fora, e cheguei a casa perto das 18h. Pensava passar lá para a ver. A minha mãe sempre dizia para a ir ver, e estranhamente, desde que cheguei, ainda não tinha dito nada.
E hoje, ela também passou todo o dia na rua, pois tinha ido á associação dos diabetes em Lisboa.
Esta, era a amiga do peito dela, com quem ela desabafava...
Hoje, quando cheguei, estava um carro da polícia á porta dela, pois ela apesar da idade ainda tomava conta de um filho com quase 50 anos e com problemas psicológicos. Tive esperanças que fosse por causa dele e não dela.
A minha mãe estava na rua e disse-me :
“A vizinha Maria faleceu.”
...
Ainda esta tarde tinha estado com uma amiga que mais posso chamar de irmã, pela nossa sintonia, onde pela primeira vez, desabafei tudo pelo que passei nestes 4 meses. E dizia-lhe...ainda não consegui chorar desde que vim emora, tenho canalizado a energia para estar forte e dar as voltas que tenho a dar, entre elas, procurar emprego e fazer pela minha vida.
Ainda não consegui e chorar...
...
Recebi a notícia, e naquele momento não reagi.
Á medida que andava para casa, para poisar a mala, o peito desfez-se, as lágrimas sairam.
Não a tinha visto em vida, não lhe tinha dado um último abraço, um último beijo...
Fui para casa dela, havia gente a entrar e a sair, filhos, netos...
Ela estava já “pronta”, no quarto do filho. O quarto dela estava livre.
As pessoas falavam de flores, do n.º da urna do marido dela, da médica...
Não conseguia estar ali.

Fui para o quarto dela, que estava rodeado de imagens de Nossa Senhora de Fátima.

Havia na cómoda, uma vela branca, alta, que nunca tinha sido acesa, com duas rosas ao de cada lado. Descalcei-me, fui buscar fósforos e acendi a vela, sentei-me na cama de pernas cruzadas e rezei, pedi que a alma e o espirito dela se elevasse aos céus nos braços dos anjinhos, para junto de Deus. Que finalmente tivesse paz. As dores do corpo físico já não a atormentavam.
Enquanto estava ali, tinha vários arrepios a percorrerem-me nas costas, apesar de não estar frio.
Pedi que sempre me pudesse lembrar do seu exemplo, que sempre permanecesse comigo aquele anjinho que agora ascendia.
Partia com ela um pedaço de mim, foi isso que senti.
As lágrimas caiam e continuam a cair enquanto escrevo estas palavras.

E penso...Zangas, ódios, raivas, exigencias...para quê...Quando se zangarem com alguém que amam, lembrem-se...podem nunca mais voltar a ver essa pessoa com vida e dizer-lhe perdão...e o quanto gostavam dela.

Estamos todos ligados, e nestes momentos sinto tanto que a vida dela se vai e leva um pouco de mim, deixando um pouco de si comigo. Para mim, a melhor parte. O seu exemplo de Amor sem condições, sempre dando alento, sempre dando força, de alguém que já tinha passado por tudo.

Perguntava-lhe:

Então, está boazinha?
Ela respondia:
“Não, não filha, boazinha não estou, isto é só caruncho, práqui estou, como Deus me quer, e enquanto ele quiser que cá ande, a cumprir a minha sina.”

Sempre tinha um sorriso.

O seu forte abraço, permanece no meu peito, para sempre.
O brilho dos seus olhos azuis quando me via, são uma luzinha, que me ilumina nos recantos escuros da Vida.

Até um dia...minha querida mãe...

Sónia Santos Oliveira

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